Gonçalo Branco - 12º D
Sobre as Ações de Voluntariado de Limpeza de
Lixo na Serra da Lousã
Sacos amontoados, beatas de cigarro, marés de
garrafas que vieram desembocar à serrania. Cada um é como cada qual. E todos
com os seus gostos, feitios, cores e até mesmo idades. Por fora, resistem e
insistem, sobrevivem a mais uma tempestade, mais uma avalanche; e aqui e ali
brotam, reproduzem-se e multiplicam-se como as colónias exóticas de acácias e áqueas,
aninhando-se indiscretamente no seu leito e surpreendendo quem se passeie pelas
redondezas ou, sobranceiramente, desvie o olhar das Ermidas de Nossa Senhora da
Piedade para o enorme fundão junto à estrada para o Castelo. Por dentro,
nenhuma mensagem à vista senão o amargor da inconsciência e da irresponsabilidade
de quem, por forçosa inércia, achou por bem deixar o seu testemunho na
natureza, esperando que mais tarde, muito mais tarde, num futuro tão incerto como
o próprio futuro, acabasse por se extinguir miraculosamente. Ou então, por ir
parar às mãos de voluntários ambientalistas, essa espécie rara, mas observadora
e curiosa, que se dedica comummente à preservação ativa dos ecossistemas.
Voluntários esses que, com o auxílio de apenas
um saco e de um par de luvas, e sob a chuva inclemente, foram, por meio-dia, que
bem podia ter valido uma eternidade, não somente voluntários, mas também
arqueólogos, caçadores, montanhistas, detetives…; e que arriscaram mais do que
a sua vontade, assumiram um compromisso e alargaram o presente, limpando erros
do passado e evitando novos desastres futuros. Na verdade, o amanhã pode ser
reduzido a uma inofensiva garrafa, desde que a saibamos usar, deixando nela,
por fim, a mensagem correta para descodificar a esperança. Foram estas pequenas
garrafas, metaforicamente ou não, que nos guiaram a bom porto, mesmo por
caminhos desmedidos e sob o denso nevoeiro.
Outros tesouros foram depois desabrochando e
ganhando vida nas nossas memórias, após largos e impacientes anos de
esquecimento. Muitos lembrar-se-ão dos míticos refrigerantes Serranita, da
Laranjina C, da Superfresco, da Sagres Europa. Os mesmos que provavelmente
também se hão-de recordar das modas Maconde, das garrafas de Vigor, das
embalagens de Nucrema e de uma panóplia de conserveiras perdidas no tempo. No
fundo, um regresso a uma outra era, para onde olhamos com uma certa nostalgia e
também desolação.
O antiquário estava à vista de todos, e ia
muito mais além das bebidas, vestuário e alimentação. Azulejos de todos os
padrões possíveis e imaginários, sanitas e porcelanas, louças, vaseiras,
mármores, sacos de serapilheira, destroços de um automóvel, um fogão, sapatos a
perder de vista e ferragens eram, segundo muitos, 'coisa pouca' para tanto lixo
acumulado num só lugar. Até porque 'quem não sabe é como quem não vê' e quem
não vê tende a acreditar que sabe. Saberíamos nós, que 'debaixo da capa'
estaria tamanho segredo, fazendo confundir uma lápide funerária com uma banca
de cozinha? Um segredo que pode ser caricato, mas que na realidade esperou
quase 40 anos para ser revelado. 40 anos que fariam sentido ontem, anteontem ou
porque não há 40 anos, se se tivessem tomado medidas consistentes. Sacos
amontoados, beatas de cigarro, pilhas de garrafas, uma lápide, entre tantas
outras quinquilharias, mas que afinal têm também a sua história.
A história de uma natureza com identidade, abandonada, perdida, da qual todos têm memória, apesar de poucos se atreverem a lutar por ela e a defende-la com determinação; e que, nos dias que passam, é também vista como peça de museu e de exposição turística. Talvez se hoje fosse amanhã, pensaríamos 40 vezes antes de atirarmos a primeira pedra. Ou a última garrafa.
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