segunda-feira, 8 de abril de 2024

25 DE ABRIL – 50 ANOS – 50 POEMAS

Placard Escola Secundária da Lousã; Foto: Luís Moura

Placard Escola Secundária da Lousã; Foto: Luís Moura

O 33º poema, Queixa das almas jovens censuradas, de Natália Correia, que também é uma canção de intervenção, musicada e cantada por José Mário Branco, exprime bem o desencanto e a revolta dessa geração jovem que, nesse tempo da ditadura, vivia subjugada e manietada, sem poder ser livre e viver e ter o que desejava, o que é bem visível nestes versos: «Penteiam-nos os crânios ermos/com as cabeleiras das avós/para jamais nos parecermos/connosco quando estamos sós.». Este grito de lamento presente neste poema expressa bem a contestação ao regime instituído e o desejo de uma mudança política e social em Portugal, o que veio a acontecer no dia 25 de abril de 1974.

Luís Moura, docente de Português

33. Queixa das almas jovens censuradas

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola.

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade.

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência.

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato.
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro.

Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras das avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós.

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa história sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra que o medo.

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
somos vazios despovoados
de personagens de assombro.

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco.
Dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco.

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura.

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante.

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino.

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte.
Por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.
Natália Correia

Aqui fica, também, a canção, composta e interpretada por José Mário Branco, que faz parte do álbum Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, gravado em 1971, em França, quando o cantautor estava no exílio:

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