A escolha do nome “Não Lixes” para o movimento cívico ambiental é mesmo boa onda. Um trocadilho bem sugestivo. Como surgiu?
Foi uma campanha que começou em Coimbra por causa da recolha dos carros de compras dos supermercados furtados pelos estudantes e atirados ao rio de Coimbra, aquando das festas académicas, nomeadamente a “Festa da Latada”. Foi então que um publicitário nos ajudou e fez um cartaz a dizer “Não lixes o Mondego” e eu tirei a palavra “Mondego” e fiquei só com o “Não Lixes”. Achei o nome fixe!
A ideia da criação deste projeto por si encabeçado partiu só de si ou houve alguém ou algo que o inspirou?
A inspiração vem da Mãe Natureza que é algo pelo qual estou apaixonado. Eu é que tive a ideia de começar a ser ativista para a proteger dos malefícios que alguns de nós, às vezes, trazem e que a prejudicam. Sem ela, nós não conseguimos sobreviver. Portanto, isto partiu de mim e do ensinamento dos meus pais, que me incutiram que devemos ter um respeito pela Natureza muito grande.
De onde vem o seu interesse pelo meio ambiente? Remonta à infância?
Sim, sem dúvida. Nós até criticamos os nossos pais quando, no fim de semana, dizem que vamos à serra, à praia ou ao mar, porque preferíamos ficar em casa, mas essas experiências ficam gravadas. Tudo o que fazemos na nossa infância fica gravado na memória e, quando alcançamos a idade adulta, recordamos as vivências da nossa infância que nos foram incutidas pelos nossos pais. Quando estas experiências são práticas saudáveis, mantêm-se connosco toda a nossa vida e são transmitidas por nós aos nossos filhos e à geração seguinte, o que é ótimo.
O surf é a sua paixão. Lembra-se de algum episódio marcante de agressão à “Sua Majestade”, expressão que usa para referir o mar?
Tantas…de petróleo. Cada vez que vou ao mar, faço surf e windsurf ou vou nadar e trago sempre lixo: plástico, um saco, redes de pesca, animais feridos. Eu acho que as coisas infelizmente estão a piorar, porque senão eu não vinha às escolas. Eu quero é chegar lá, ver tudo limpo e os animais felizes. Já surfei com tubarões, com golfinhos. É brutal! Já fiz windsurf, que é uma prancha com uma vela, e via um albatroz a voar ao pé de mim, a uma distância de dois metros, a planar e a ver o que é que eu era. É brutal! Quando se cria afinidade com os animais, é como com um cão ou com um gato, criamos afeto, cativamos, ficamos apaixonados e defendemos. Se estivermos sempre em casa nos computadores e nos telemóveis, bem que os animais podem estar a morrer desde que tenhamos Net…
Da experiência e do contacto que tem no terreno com o desrespeito pela natureza, na sua opinião, os adolescentes de hoje em dia já têm boas práticas ambientais interiorizadas e estarão suficientemente sensibilizados para os problemas que terão de enfrentar no futuro ou ainda têm um “longo caminho a percorrer”?
Há de tudo! Vocês têm muita informação e sabem que o planeta está a passar uma fase de emergência climática. Há uma coisa da qual era bom terem a noção, que é a diferença entre emergência e urgência. Quando se vai na estrada e se vê uma ambulância, todos os carros param e deixam-na passar. Não há carro nenhum que se ponha à frente de uma ambulância e que diga: “Espera aí. Quero que te lixes.” Não há nenhum carro a fazê-lo. As pessoas aí têm sentido cívico. Isso é uma emergência. Outra coisa é irmos à urgência do hospital porque nos dói alguma coisa, e as pessoas acham que isso é mais forte do que um veículo de emergência e não é! Nós estamos em emergência climática e os cientistas estão todos a dizer-nos que temos que reinventar a forma como vivemos e a maior parte dos jovens com quem eu falo sabe que este problema existe. No entanto, eu digo-lhes para ficarem com o seu telemóvel pré-histórico e não trocarem de telemóvel todos os anos e eles dizem: “Não, este tem altas câmaras e faz outras coisas e eu quero estar ligado.” Estão a perceber? Cada um de nós é que tem que adaptar o seu estilo de vida para consumir menos coisas e produzir menos lixo e menos emissões de gases de efeito de estufa. Vendi o meu carro, ando de bicicleta. Entendem? Têm que abdicar de coisas, senão não vale a pena terem filhos. Vamos pôr aqui um miúdo e dizer o quê? “Olha eu sabia que o planeta estava a explodir, mas queria com a tua mãe ter uma criança”. Cada um de nós tem que fazer o trabalho de casa. Isso é que é o importante!
Como avalia o impacto do seu movimento?
Essa é uma questão delicada! Em Coimbra o impacto tem lados positivos e negativos. O lado positivo é: há dez anos que andamos a impedir que o lixo chegue ao rio, há dez anos que, tendo sido criado aquele parque, junto ao rio Mondego, os carros de compras não são despejados no rio, portanto o impacto aí é positivo. Agora, também fico aquém das minhas expectativas. Eu gostava de, como ativista, não precisar de fazer certas coisas durante tantos anos e vir a Coimbra, uma vez que atualmente vivo na Barra, na praia. Anseio não precisar de ir tantos anos consecutivos a Coimbra dizer aos estudantes que não se deve atirar lixo para o rio.
Portanto, há pontos positivos, assim como também há pontos menos bons. Quanto aos menos bons, nós tentamos que eles se tornem melhores nos anos seguintes. Vamos ver!
Considera que o seu movimento motiva muitos jovens a participar nestas ações? Que apelo lhes faz?
Se tenho muitos jovens nas minhas ações, isso é resposta que terá que ser dada por vocês quando assistem às palestras. Depois de uma palestra, se alguns de vocês se sentirem motivados para defender a natureza, a resposta é sim, considero que há jovens que ficam motivados. O apelo é lutarem por um planeta sustentável para que tenham um futuro risonho. Por exemplo, houve uma notícia a nível mundial que foi ótima. Foi sobre energia nos Estados Unidos onde cientistas descobriram a fusão nuclear e conseguiram quase que duplicar a quantidade de energia no início da reação. Isto, depois vão estudar em química e em física mais tarde. Portanto, há notícias motivadoras que devem encorajar a nova geração, que são vocês, a lutar por energias limpas que ajudem o planeta a continuar a ser sustentável tanto para a nossa espécie como para as outras espécies. Assim, estarão a lutar por uma família e por um ambiente melhor e isso é o que interessa.
Já alguma vez fez alguma intervenção na Lousã? Em que situação, por exemplo?
Limpei os arredores da escola, onde os vossos colegas atiram cigarros para o chão, restos de produtos descartáveis que compram nas máquinas de venda, por exemplo, refrigerantes e deitam as latas para o chão à volta da escola. Nós apanhamos na altura imenso lixo.
Vocês, que andam na escola, vêem os vossos colegas a atirar lixo para o chão e não querem saber.
Quando foi?
Foi na primeira vez que vim cá, à Lousã. Já não me lembro bem. Já faço isto há dez anos. A minha memória não dá para tanto.
O que diferencia este movimento de outros movimentos ambientais?
Boa pergunta! Foi a primeira vez na vida que me fizeram esta pergunta em dez anos de ativismo. Estou muito contente por a terem feito. É uma coisa muito simples. Eu não sou apoiado momentaneamente por nenhuma empresa, nem nenhuma entidade, nem por ninguém. Eu faço isto mesmo por amor à causa comum e à defesa da Mãe Natureza. Eu não recebo qualquer tipo de incentivo para fazer isto, eu não me valho do ambiente para ganhar dinheiro. Sou treinador de surf e isso é o suficiente para eu fazer face aos meus custos.
O que aprendeu de novo desde a criação do movimento “Não Lixes”?
Que as pessoas com boa alma e juntas conseguem mudar o mundo se quiserem.
As pessoas são ou não são cegas ao nível de poluição em Portugal? Têm comportamento de avestruz?
Nós somos um bom povo. Adoro Portugal, adoro o nosso país. O problema não está nas pessoas, o problema está nos governantes que não fazem a aplicação de multas. Por exemplo, vai-se até à Alemanha, arranja-se uma namorada e quer-se ir para lá viver. Se atirarmos lixo para o chão, temos logo um polícia que vem ter connosco. Levamos uma multa de cinquenta euros. Não temos connosco os cinquenta euros, quando chegarmos a casa, já será uma multa de cem euros. Também não temos cem euros em casa? Vamos ter que limpar aquela rua toda durante um mês. Aqui em Portugal não. Aqui atiramos lixo ao chão e não acontece nada, mas existem as leis. Têm que ir ao bolso das pessoas. Tem que ser isto com a indústria, com pessoas que não separam o lixo, contra carros que estão a trabalhar desnecessariamente. Por exemplo, lá fora, não podemos ter um carro a trabalhar para ter o ar condicionado ligado se não estivermos a andar, pois a polícia vai ter connosco e diz-nos: “Então o carro está a trabalhar porquê?” e à resposta: “Ah, porque estou à espera da minha filha que vai sair agora da escola e quero que esteja no quentinho”, levamos uma multa e pagamos. Passou a mensagem? Tem que se pagar, tem que sair do bolso.
Como ativista, esta sua estratégia é a melhor para reciclar consciências. Todos o poderiam ser um pouco. O que lhes falta?
Falta utilizarmos a melhor arma que o planeta Terra conhece para mudar as pessoas e que se chama dinheiro. Se eu vir uma pessoa que atira lixo para o chão e houver um polícia que a multa diretamente, ela vai deixar de o fazer. A mesma coisa acontece na autoestrada. Dou sempre este exemplo. Eu posso pôr cartazes na autoestrada a dizer assim: “Andem devagar por causa do ambiente, por causa das abelhas” e os condutores não querem saber desse cartaz para nada. Se eu meter outro cartaz a dizer assim: “Cuidado, estão radares e estão carros descaracterizados da brigada de trânsito” e isso vai dar pontos na carta e vão parar multas a casa, aí as pessoas começam todas a andar devagar. O mesmo se deve passar com as questões ambientais, pois temos de multar as pessoas infratoras, sejam empresas que atiram detritos para o rio de forma indiscriminada, por exemplo, as pecuárias que atiram muita água suja, sejam pessoas que atiram lixo para o chão ou que não separam o lixo. Quando começarmos a multar pessoas que não fazem bem, elas passam logo a agir bem porque todas elas se interessam pela quantidade de dinheiro que têm.
Sim. Existe legislação nesse sentido, no entanto esta fica no papel, as normas não são cumpridas, há falta de supervisão. Se houver controle, há inimizades. Acabamos por ter uma pescadinha de rabo na boca e enquanto as pessoas não tomarem uma atitude diferente as coisas não vão melhorar. Temos que ter esperança e sobretudo agir porque se não agirmos não vamos ter resultados, não vamos lá chegar. Para tudo são precisas ações. Partilha desta opinião?
Tal e qual. Agora vou dar uma dica a si, professora, e à sua excelente turma de alunos que colocaram questões muito inteligentes e muito pertinentes e que é esta: quando falo com o poder local, sejam presidentes de câmara, sejam ministros, coloco sempre o enfoque numa força que nós temos que está parada, paga por todos nós, que nos podia ajudar a fazer esse controle e que se chama exército. Nós passamos há pouco uma fase muito complicada, a da Pandemia, e o exército foi importante para que as coisas corressem bem. É uma força que está muito treinada e muito disciplinada. Se nós utilizássemos o exército, que graças a Deus não está em guerra, pelo menos uma parte dele, pois só as forças especiais podem ter uma missão ou outra, para ajudar a GNR, a brigada ambiental, a Polícia de Segurança Pública, as Polícias Municipais, tudo seria mais fácil, no meu ponto de vista.
Temos tantos recursos humanos disponíveis que não são devidamente canalizados e aproveitados em prol daquilo que viria a resolver muitas das situações. Deveriam ser transferidas competências para onde há capacidade para o fazer. Este é, para si, ponto assente, certo?
Claramente. Parabéns aos seus alunos. Foi um gosto muito grande ter ido ao vosso encontro e ter participado nesta entrevista. Quando quiserem ir dar um mergulho à “Sua Majestade, o mar”, venham que eu terei todo o gosto. Deixo aqui o meu convite. E lembrem-se que o amor vence sempre.
Fernando Paiva, ficamos muito agradados e estamos muito agradecidos por este momento tão especial que nos concedeu.
Esta atividade foi desenvolvida pela turma do 11ºA na disciplina de Português para integrar o tema “Sonhar com um Mundo Melhor” no âmbito do projeto Cidadania e Desenvolvimento.