quinta-feira, 4 de abril de 2024

25 DE ABRIL – 50 ANOS – 50 POEMAS

Placard Escola Secundária da Lousã; Foto: Luís Moura

Placard Escola Secundária da Lousã; Foto: Luís Moura

O 29º poema, Trova do Vento que Passa, de Manuel Alegre, exprime bem o sentimento dos que que viveram antes do 25 de Abril, sob a ditadura, mas que sempre demonstraram um espírito e uma atitude de resistência e de contestação. Assim, o poeta, por um lado, dá voz ao desencanto e tristeza por um país e um povo que vive na «desgraça», magoado, aprisionado, oprimido, impedido de sonhar, de «florir». No entanto, termina com um sentimento de esperança e de otimismo, apelando a uma mudança, a uma luta para o surgimento de um novo tempo, de um Novo Portugal, pois «há sempre uma candeia/dentro da própria desgraça» e «Mesmo na noite mais triste/em tempo de servidão/há sempre alguém que resiste/há sempre alguém que diz não».
Este poema de contestação, também é uma canção de resistência ao Estado Novo, uma balada, musicada por António Portugal e cantada por Adriano Correia de Oliveira pela primeira vez, em público, na Faculdade de Medicina de Lisboa, na presença de António Portugal, José Afonso, Manuel Alegre e Rui Pato e que constitui um dos Fado de Coimbra mais conhecidos.

Luís Moura, docente de Português


29. Trova do Vento que Passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre, Praça da Canção, 1965

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